11.4.11

Miasoave no Blitz

Um Disco

"Sabe-se que nas origens o poeta era também músico e se acompanhava enquanto cantava os seus versos. Seria mais um recitativo, ou uma melopeia, que um canto propriamente dito. Como quer que fosse! A melodia e o ritmo poéticos existiam não como adereço de discurso, mas como sua razão cantabile. Cedo no entanto poesia e canto se separaram. Em Roma, a poesia chegou à secura retórica de Horácio (passe como exemplo), e só na Idade-Média latina e nas baladas celtas e germânicas reapareceu o poema cantado. No Romantismo, músicos como Schubert, Schumann, e outros que se lhes seguiram, deram inesquecível melodia a poemas muitas vezes pouco conhecidos, que continuam na sombra da genial música de que foram revestidos.

Cantados por Ana Deus, com música de Alexandre Soares, Pedro Augusto e João Alves, os meus poemas ganham pelo contrário a luz duma sonoridade interpretativa lapidar; assim lhes é acrescentado o que lhes vem restituir o que era a mais antiga função da poesia: encantar pelo canto."

Estas são as notas com as quais Alberto Pimenta apresenta DEGRAU (Cuidado), um disco como eu nunca tinha ouvido. Daqueles que chegam e limpam a memória, que passa a absorver uma nova voz que ora confronta ora envolve novas sonoridades extraídas da guitarra, das bobines, gadgets e delays e das programações incluídas nos temas:

Diz nada / Civilidade / Camila / H ou S / Coloquação / Zero / Carta / Cola-Cola Song

Oito poemas-canção, que somam 20' 5" mas cujo conteúdo pode levar horas, dias ou anos a absorver, lentamente. Há criações assim. E são raras.

A primeira vez que ouvi falar destes temas foi talvez para a apresentação de Ana Deus em Paredes de Coura do ano passado, que algumas pessoas tiveram a sorte de presenciar. Entretanto, as palavras já conheceram várias roupagens, pois de cada vez que aparecem em algum evento, a atmosfera do momento dá-lhes através da voz a forma que acontecer.

Diz nada é praticamente uma sequência de fotogramas ou, eventualmente, polaroids. Ao ouvir, quase podemos ver uma bela curta-metragem. Se a cores, se a preto e branco, fica ao critério de cada um.

Civilidade é um manual de instruções para madames bem comportadas.

Camila pode ser ouvido como um retrato feminino, com fado pelo meio. E voz, muita voz. Nunca em excesso. Tal como em H ou S, que aborda jogos de aparências e que, quase sem se dar por isso, dá lugar a Coloquação, que fala de feridas, pêssegos e almas.

Zero "não tinha nada na mão, quando caiu morto. Não tinha onde e caiu na mesma."

Carta é um prodígio de declamação, com sons musicais à mistura.

Cola-Cola Song é só uma das melhores canções para o século XXI.

Estas construções sónicas podem encontrar-se como bónus editorial do livro REALITY SHOW ou a alegoria das cavernas, de Alberto Pimenta, a primeira edição da editora Mia Soave. Os desenhos na capa do disco são de Paulo Anciães Monteiro.

E o melhor é que são ainda melhores de se ouvir ao vivo.

Para mais informações:

miasoave@gmail.com

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